Ouço em meu ouvido a frase a sussurrar: escrever é como uma maldição, já diria Clarice Lispector. Uma maldição que salva no mesmo movimento em que provoca dor. A dor em verter um conto, romance, uma poesia, a dor da literatura tão pungente, tão embriagada, tão reticente…
Escrever é sim uma maldição, mas uma maldição necessária a quem precisa escrever para entender, para que uma réstia de luz enfim paire acima das névoas endurecidas, escrever para que a solidão fique menos dolorida, para que a saudade soe menos intempestiva, às vezes, escrever para o nada, buscando a dimensão que reside na imensidão do tudo.
Ali, onde reside o verdadeiro sentido da escrita. Ali, onde nada mais vestirá tão bem as roupas do tempo, as manchas da vida, os delírios e a rouquidão mansa dos vícios.
Além de maldição, escrever é uma passagem, a eterna passagem na qual se tem a eternidade do verso e, ao mesmo tempo, a imposição da rima, a fugacidade do tempo, o quadrado da página. Eis o eterno meio no qual se vislumbra a promessa da glória e se experimenta a dolorida solidão que demora, a passagem que te aprisiona no delírio e te liberta no desatino, o ato que te traduz e, enquanto te decifra, sem querer ainda mais te envolve em mantos obscuros, em parágrafos melodramáticos e satíricos, em monótonos vendavais noturnos.
Escrever é uma passagem dura, porém bastante bela, e não há quem me convencer do contrário possa. Não seguirei adiante nessa querela.
A maldição da passagem, o eterno perpetuar-se da dúvida, a confusão inesperadamente clara entre razão e loucura.
Talvez, seja apenas como sair de uma ávore, jogar o corpo para fora do buraco desenhado na grossa superfície do tronco, bani-lo para recuperá-lo. Emergir com toda graça e todo mistério, revestir-se de uma liberdade tão grande quanto possa ser o desejo de enfim ver-se solta daquele tronco, olhando as folhas de fora, não mais tendo que imaginá-las sob a penumbra de dentro.
M.V
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