Eis que surge, neste caótico e fantástico mundo nosso, um vídeo, produzido por alunos de uma Faculdade de Comunicação em Quebec, que é uma espécie de aula, um exemplo claro de como sincronia é apenas uma questão de treino, vontade, concentração, esforço e disposição das pessoas para tal.
É justamente com a colaboração de todos que se faz outro jornalismo, outro capitalismo, outro socialismo, outra realidade, outro professor, outra escola, outra universidade, outro amor, outra viajem. É com a voz coletiva que se constroem outros discursos, outras lógicas, que se erguem mais pontes e menos muros, que se recitam mais versos e menos ordens, que se abrem mais sorrisos e abraços, que se ajusta o olhar, sem muita luz ou muita sombra. É encarando esta luta como coletiva, carregada de um sentido social, pautada por uma verdadeira ética baseada em valores, não em moral que se conquista qualquer coisa, seja ela um prêmio, um namorado, uma vitória, um emprego, uma boa história.
É claro que tudo começa em cada um, a semente da luta, da insatisfação, do descontentamento, da busca por mais sentidos, por mais poesia, por mais humanismo, por mais verdade, por mais alegria é plantada no coração de cada um, no coração daqueles onde a terra é mais fértil, mais aberta, menos fechada, menos absoluta, mais inacabada, onde a terra é menos seca e mais molhada. Mas essa semente depois de plantada, depois que crescer, de em árvore se transformar, revelando toda potência existente no atual que se realiza por fim no virtual, não consegue crescer e se fazer árvore apenas a partir da semente, esta para germinar precisa da água, da luz, dos pequenos encantos da natureza viva, ou seja, a semente plantada não se faz árvore sozinha.
Da mesma forma, aquele que quer mudar, não muda sozinho, ele precisa do outro, ele precisa de outros sonhos tão belos quanto o seu, que fortaleçam o seu, ele precisa da sincronia dos alunos de Quebec para que, assim como eles, produzam um vídeo sem edições, uma obra completa, bela, que ao menos faça sentido, que ao menos queira sempre construir. Às vezes, podemos achar que estamos sozinhos, no desespero de um dia, quando somos destruídos por alguma outra pessoa sem aquela mesma terra fértil a cobrir seu coração, mas depois que o desespero passa é possível ver que não estamos sozinhos, é possível se completar com as coisas miúdas e fazer delas encantadas. É possível fazer das pequenas coisas o encanto da vida, extraindo o silêncio de suas mais profundas e intraduzíveis cores e formas.
Começemos pela poesia…
A maior riqueza do homem
é a sua incompletude.
Nesse ponto sou abastado.
Palavras que me aceitam como sou – eu não aceito.
Não agüento ser apenas um sujeito que abre portas,
que puxa válvulas, que olha o relógio,
que compra pão às 6 horas da tarde,
que vai lá fora, que aponta lápis,
que vê a uva etc. etc.
Perdoai
Mas eu preciso ser Outros.
Eu penso renovar o homem usando borboletas.
Difícil fotografar o silêncio.
Entretanto tentei. Eu conto:
Madrugada, a minha aldeia estava morta. Não se via ou ouvia um barulho, ninguém passava entre as casas. Eu estava saindo de uma festa,.
Eram quase quatro da manhã. Ia o silêncio pela rua carregando um bêbado. Preparei minha máquina.
O silêncio era um carregador?
Estava carregando o bêbado.
Fotografei esse carregador.
Tive outras visões naquela madrugada. Preparei minha máquina de novo. Tinha um perfume de jasmim no beiral do sobrado. Fotografei o perfume. Vi uma lesma pregada na existência mais do que na pedra.
Fotografei a existência dela.
Vi ainda um azul-perdão no olho de um mendigo. Fotografei o perdão. Olhei uma paisagem velha a desabar sobre uma casa. Fotografei o sobre.
Foi difícil fotografar o sobre. Por fim eu enxerguei a nuvem de calça.
Representou pra mim que ela andava na aldeia de braços com maiakoviski – seu criador. Fotografei a nuvem de calça e o poeta. Ninguém outro poeta no mundo faria uma roupa
Mais justa para cobrir sua noiva.
A foto saiu legal.
“Meu fado é de não entender quase tudo.
Sobre o nada eu tenho profundidades.”
“No osso da fala dos loucos têm lírios.”
“Poesia não é para compreender mas para incorporar
Entender é parede: procure ser árvore.”
Manoel de Barros