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Posts Tagged ‘desejo’

Gianlorenzo Bernini, O êxtase de Santa Teresa (1646-1652)

Gianlorenzo Bernini, O êxtase de Santa Teresa (1646-1652)

(8)

Foi quando eu encostei de novo meu rosto no teu, e ficamos ali, apenas escutando o sopro alucinado da respiração, adiando o instante do beijo, do gosto tardio, sempre lembrado. Os olhos molhados, saturados de desejo, imaginando as formas do corpo, o cheiro, a intensidade do toque, a lógica mil vezes repetida, sempre única da atração. E eu via tua boca, via minhas mãos, eu escutava como uma louca em êxtase o quanto pulsava meu coração. Revia todos os lugares, a praia tão reta e calma, a mata densa, a noite em derramamento de estrela, a dedicatória, a aula, o escondido, o sorriso, via todo o medo que nascia de mim, e morria, assim que me encontrava a vontade. Escutava as mesmas músicas, andava no ritmo das mesmas caminhadas, e conversava muda, calada, o diálogo de todos os nossos séculos. E, renascendo a surpresa do primeiro encontro, te encontrava de novo, e de novo, e de novo, no mesmo respirar enlouquecido, no mesmo beijo violento e delicado, e eu ouvia os gritos, e eu sentia minhas lágrimas. Nada, nada além de eternidade, tua alma entregue em tempo de saudade. E agora, no silêncio, você vai dizer.

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Imagem: DivulgaçãoPodes ver a passagem
do caos ao cosmo.
Perceber escondida
nas vestes da nobreza
os ardis profundos
da morte.

Pode se fartar
no banquete.
Dividindo a vastidão
com a pobreza,
embriagando-se com
intermináveis deleites.

Podes conceber o prazer
depois de nascer da beleza.
Podes implorar o perdão
de todos os deuses.
Mas não há de trair
a sua natureza.

Podes plantar
armadilhas
das quais a maior
será contra ti mesmo.
Pois há em ti
tanta miséria
quanto há fartura.

E apenas aquela
que deixaste vagar
responde aos teus instintos.
Por viver nela
o denso erotismo
que só junto ao teu
se pode salvar. (MV)

Feliz ano Eros a todos os leitores!

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Matisse

É o inconstante esse
que vem pela minha frente
e que não consigo mudar
e que não consigo retirar.

Como aquela roupa
de que mais gosto, mas
que me incomoda
no canto das costas.

Como aquele sapato
que adoro vestir, mas
que me deixa marcas
nas dobras do calcanhar.

O pleno e o despedaçado
que me impedem a decisão
as cartas na mesa.
Destino e acaso o que serão?

Temo perder a força
dos dias continuados. Dos poemas
que não respondem às vezes
quando interrogados.

Temo perder-me a mim
e, como meu impasse,
todos os meus medos
parecem não ter fim.

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Chagall

O cavalo branco corria pelo entardecer
a fundir-se no terminar do horizonte
com a paisagem tímida entre nascer
Morrer.

A jovem o olhava sem ver, imaginando
que também corria, sem medo de se perder.
Mas suas pernas tremiam, era preciso
Ser.

A dúvida de repente dançava em seu peito:
como cavalgar com toda aquela lucidez?
Jamais seria possível, ele a deixaria cair, sem
Ver.

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Desejo

Luiz Fuganti


Luiz Fuganti é filósofo, arquiteto, professor e escritor. Desde 1986 ministra cursos, palestras e seminários acerca de um tipo de pensamento sem referências, imanente à própria natureza. Foi um dos fundadores da ONG Pivot em 2002, não mantém vínculos institucionais e criou um movimento, a Escola Nômade de Filosofia, resultante das práticas de pensamento que vem realizando.

Recentemente, assisti a uma palestra de Luiz Fuganti que desconstruiu a idéia de verdade comumente estabelecida entre nós. Ele começou sua palestra indagando “quem precisa da verdade?” e durante toda a sua fala buscou demonstrar diante do público a coerência e sustentabilidade da resposta dada por ele a esta pergunta “aquele que precisa da verdade exterior, imposta, construída sócio-historicamente e religiosamente é aquele que possui uma vida reativa em contraposição a uma vida em essência, dotada de potencialidade e autonomia, pensamento alegre e produção de um corpo pleno”.

A partir daí, Fuganti discorre sobre a história da verdade, fala dos três mestres da verdade na antiguidade grega, sobre um novo mestre da verdade e, por fim, sobre a condição de acesso à verdade. Como pano de fundo de todas essas discussões sobre verdade e mentira aparece a relação entre o desejo e o pensamento, quando Fuganti nos revela a existência de dois caminhos: o caminho da forma e o caminho do acontecimento, sendo que apenas este último é capaz de nos conduzir a uma verdade.

Verdade esta que não se faz absoluta em relação ao mundo exterior e físico das aparências, posto que esta não existe, mas verdade do mundo interior de quem constrói uma vida cuja essência permite recebê-la.

As ideias de Fuganti se contrapõem ao tempo em que vivemos, um tempo em que não mais se ousa desejar, agir epensar, um tempo onde a covardia, o medo de arriscar e de criar novas maneiras de viver corrói as consciências, como diz o filósofo.



“Vivemos um pessimismo e conformismo íntimos da contemporaneidade e com isso nos esquecemos de buscar e nutrir modos de vida que se constituem como autênticas obras de arte e modos de eternidade.” (Luiz Fuganti)

Aos navegantes indico aqui um vídeo no qual Fuganti fala sobre o desejo e sobre a ilusão que construímos em torno dele. O filósofo diz que nosso grande equívoco na contemporaneidade é conceber o desejo como um sentimento que deseja algo exterior a nós, que está fora do nosso alcançe e que complementaria a nossa substância, o nosso sujeito, ou seja, ao desejo faltaria o objeto, ele se constituiria na falta, um grave erro que alimenta muita confusão e serve apenas ao poder, este que se nutre de ilusão e confusão.

Fuganti aponta um caminho para que essa ilusão possa ser desfeita desde que o sujeito entenda que tudo começa pelo meio, o desejo na verdade está no próprio acontecimento, no cerne do acontecimento, como diz Fuganti, então é o acontecimento que deseja em nós e não algo em nós que deseja o objeto.

O sujeito precisa encontrar a natureza do desejo no inconsciente da superfície: a virtualidade. O virtual é que deseja em nós, na medida em que a presença que nos constitui se encontra com a virtualidade do acontecimento. Nesse encontro o desejo emerge e se efetua.

Desafio fugantiano: O que é o acontecimento que deseja em nós? O segredo é chegar até ele para nos libertarmos de todos os sistemas de referência.

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