(9) La nuit
Ao universo tão reto, tão certo, o homem que sofria pedia clemência. A visão do céu sem traumas, longo e longe, sem sinal de mácula. A ordem das tempestades alternava-se na mais tranquila perfeição com a ordem dos dias ensolarados. Os desenhos das nuvens, caprichosos, quando havia nuvens. A ordem cósmica, o mecânico amanhecer e anoitecer, o abrir das estrelas, o dançar da luz do sol. Nada de imprevisto. Nada que não pudesse ser medido pelos mais avançados centros meteorológicos. Insuportável ter que ver na ordem de fora os reflexos distorcidos do imenso caos de dentro. O homem se sentia esmagado diante do universo impiedoso. Que ao menos amanhã ele não tivesse que abrir a mesma janela, no mesmo ritmo, e sentir no rosto o facho de luz do mesmo sol, ou as gotas de chuva da mesma tempestade, ou o vento cálido do mesmo outono cheio de rumo. Que ele, perdido de si, sem rumo, encontrasse as coisas que o rodeavam também um pouco perdidas, também um pouco chorosas. Mas ele sabia que não. Ele sabia que o céu continuaria lá no alto, e que ele nem sequer seria visto. Quanta pretensão! Pedir ao universo que mude sua santa ordem, tão comemorada por todos, agradecida, abençoada, apenas para que ele pudesse ver, em algum lugar, a mesma infinita desordem que lhe devorava todas as pontas da alma, apenas para que não fosse tão monstruoso o nascer e morrer de todos os dias. O homem sabia que era inútil. O universo sabia que era inútil, mas, oferecia a pedida clemência. As horas em que as sombras saíam de casa e deixavam ver quase nada. A hora do silêncio. Extenso. O abraço mascarado. Podes chorar, agora só te veem as estrelas. E o universo presenteava o homem com a noite. A noite onde os fantasmas saem.