Salvador Dalí
Conto
Ele era só tristeza. Parado. Corpo todo esburacado. Humor ensimesmado. Não conseguia ficar alegre com a alegria dos outros, ela mesma o sufocava. Arrastava corpo em chão frio e não sentia nada. Era só tristeza misturada com a gota da ventania. Os olhos a revelavam. Insincera, desnorteada. Tristeza crua que olhar nada não olhava. Parava e ia se ficando pelos rumos de uma vida meio desencontrada. Não sabia por que ela vinha, tinha incertezas e alguns medos achegados. Sofria de amor sem nunca ter amado. Se olhava e via apenas os restos, a vida renegada. Nem em mudanças ele mais acreditava. Por trás do verão sempre havia o mesmo inverno, por trás do mesmo inverno, sempre havia desnaturado verão. Sentia desconfiança perto dos que acreditavam e vergonha por não conseguir mais acreditar. Sei não, mas algo nele sempre se tocaiava. Sempre assim, meio no mundo, meio no infinito, meio sem casca de fim. As mulheres então, detestava. Não gostava delas, do seu ar valente, da sua vontade de ser de repente. Desconfiava de seus olhares mansos, doces e tão traiçoeiros. Tudo sempre o abandonava, desde o conforto do tempo até o cheiro da mulher nunca amada. Ele ficava pelos últimos, sempre sozinho, virado para o silêncio. A solidão o desconjuntava demais, talvez ela é que fosse apagando suas esperanças. Ouvia apenas vozes distantes e da sua já nem lembrava o tom. Ia gostando mais das coisas, menos das gentes. O momento de ver uma flor crescer lhe dava certa emoção, ainda, coisa rara. As pétalas despontando como santas sublimes, a luz do sol iluminando todas as suas escondidas partes que de repente se abriam para um escolhido que, pobre, elas nem percebiam, que na primeira chuva a abandonariam. Nisso ele via os comuns entre flores e mulheres, as mais belas geralmente eram as mais sozinhas, as outras tinham medo de chegar perto e o sol as iluminava apenas um pouco, pensando que elas já tivessem muito, as deixavam sem nada, sempre sozinhas. Assim ele também se sentia, o que deixava flores mais próximas ainda. O crescer de um corpo. Não havia coisa mais bela! E em breve ele dançaria, divino e límpido, comungando céu e terra, escorrendo beleza, beleza infinita. Que também o entristecia. Pra que tão bela se logo vem o tempo, erva daninha, e explode as rosas tão meninas. Marcando tudo que vê, mudando sem mudar nada, levando sem deixar nada. E ali ele indagava pra que toda essa vida? Sim, reconhecia vez ou outra alguns momentos de felicidade, não propriamente nele, ele não os tinha, mas nas pessoas ao seu redor, mas não os achava tão infinitos e logo via a tristeza, crescer feito trepadeira escondendo tudo, sombreando, tudo era ciclo, ele sabia, mas os ciclos doíam demais e, nada, nada, permanecia. Até o amor, ora vejam, que ele um dia tentou acreditar lhe pareceu pálido certo dia. Amor, feito criança, nunca vivia a ponto de envelhecer, nunca persistia. Assim eram as tempestades, mas assim também eram as alegrias. E os sonhos, ah, os sonhos estavam cansados. Cansados de existir sozinhos onde na verdade eles não existiam. Cansados e burros, mansos feito ovelhinhas. No destino ele vez ou outra pensava, único pensamento que quem sabe o consolava, pois do consolo só ele mesmo sabe, pensava que seu destino fosse mesmo a tristeza, já que não conseguia se livrar dela, ao fugir, para ela corria. E pensava que a vida também tinha seu destino, ser provisória e sozinha, como as flores belas jogadas no jardim. Pensou em levantar, ir até o portão, mas estava sem vontade de ver a vida, era sempre a mesma coisa, pernas vinham e iam…
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