Dá-me a musicalidade destes versos…
Busco o ritmo, o saber do que me perde,
acaricio as costas do humano,
escondo o rosto da alma
e deito sob os pés do descanso.
Sou como folha perdida do galho,
raiz vertical à sua árvore,
adormeço em prantos,
acordo em nostalgia e espanto.
Alguns passos levam à dor,
outros trazem o desespero.
Busco inerte teu amor,
quero por-te em notas de uma só cor
e enquanto sonho
vejo o mundo…
Se as lágrimas correm enfeitam o absurdo,
desliza na minha janela o orvalho do crepúsculo
desafia minha métrica a emoção do impulso,
encontra nos meus dedos janela de vidro mudo,
cheira minha pele tal qual pétala de seiva angustiada,
adorna meus versos as gotas de um fim de tarde,
sou canto e melodia,
sem ser nada!
Os cabelos de algumas
esculpem as formas da outra
A boca fina se faz grossa
Os olhos pequenos de repente são grandes
A pele clara ganha tons escuros
A pele jovem ganha marcas do tempo
Os fios lisos ganham curvas desencontradas
Os traços clássicos surpreendem-se modernos
As cores vivas dão lugar aos tons opacos
As linhas retas dobram-se aos encantos da curva
O olhar perdido encontra o olhar extasiado
A tristeza disfarçada deixa transparecer um sorriso velado
Mulheres de tantas e nenhuma face
Mulheres que habitam a estética da obra de arte
Mulheres que multiplicam
Mulheres que nunca partem
São doces e pungentes como um fim de tarde!
Belíssimo vídeo, acompanhado de um expressivo e vertiginoso som. Imagens delicadas, estética apurada, movimentos leves e exatos. Um presente aos sentidos!
Talvez por que eu esteja em um clima assim meio infantil, vai aí mais um lindo vídeo, dessa vez, do pessoal da Palavra Cantada. Bonito de se ver, gostoso de se ouvir, doce pra se sonhar e curioso pra se aventurar.
Ver o vídeo, ouvir o som, fez-me pensar em como as boas coisas que se produzem para o público infantil, hoje, são cada vez mais raras e em como é triste saber que entre as raras coisas que se produzem ainda há o intuito de dificultar ou até eliminar a sua produção de vez, haja vista, caso recente envolvendo um programa como o Teatro Rá-Tim-Bum, exibido pela TV Cultura que, pelo menos por enquanto, não poderá fazer parte da vida de tantas crianças que ainda virão por aí.
Aliás, a TV Cultura sempre teve uma excelente programação infantil. Tive a sorte de crescer assistindo muitos de seus programas, como o clássico Castelo Rá-tim-Bum e tantos outros; programas que foram me formando no mesmo movimento em que me divertiam de uma forma plena e natural.
É por isso que a TV Cultura é um presente oferecido gratuitamente a todos nós, principalmente às crianças, mas que, no entanto, aparece ameaçado por pessoas que acreditam ser o espaço da televisão única e exclusivamente destinado a entretenimentos vazios de sentido, carentes de emoção, recheados de superficialidades e distantes do verdadeiro conhecimento e da necessária formação seja ela humana ou social.
A proposta de desmanche da TV Cultura é um fato tão absurdo que para ele sequer encontro palavras adequadas que consigam exprimir de todo a minha profunda revolta e o meu latente inconformismo.
Limito-me a dizer que não gostaria que as próximas gerações vivessem sem saber o que é uma televisão pública de qualidade e tivessem que refugiar-se no seio do privado, terreno no qual as pessoas cada vez mais se isolam e se iludem. É preciso saber que a realidade é outra e lutar por essa realidade, fazer com que ela seja vista e ouvida.
Esta realidade encontra-se na construção da esfera pública e a TV Cultura, sem dúvida alguma, faz parte da construção do sentido do público que abordamos em crônica recentemente publicada aqui no Impressões.
De um espaço público reservado para as diversas manifestações artísticas e culturais como se faz a TV Cultura depende o soar de um cantar doce de esperança e o divisar de um voo colorido e diáfano em direção à liberdade do verdadeiro conhecimento! Que ainda possamos ouvir esse canto antes que tudo seja só um silêncio mudo de nostalgia e sofreguidão.
Este vídeo que segue vi no Nassif, acompanhado de um belo texto:
Como as melodias são doces…
Como elas invadem a pressa,
deixando apenas a calma
como elas entontecem os sentidos,
deixando apenas a suavidade da alma
como elas harmonizam o tempo
como silenciam os furores da mente
como anoitecem com a luz da lua
como tornam doces os movimentos
e exuberante o pensamento!
Como embelezam a estrada,
deixando na mente um desejo de arte
um suspirar por versos…
Ah! Uma sensação eternizada!
Como se engolisse a alma
e fizesse brotar pétalas
como um belo conto de fada.
Um pouco do som e das cores do nordeste
Um pouco de lua, de natureza, de graça!
Um pouco de gente, de moço bonito e menina faceira
Um pouco da boa música popular brasileira!
O caderno 2 +Música do jornal O Estado de S. Paulo estreou hoje o espaço Musique, um espaço muito interessante não só por divulgar a obra de importantes e criativos compositores brasileiros, como também por permitir a participação dos leitores e oferecer um caminho para que talentos da música se façam visíveis e tenham a oportunidade de musicar a composição de nomes consagrados no cenário musical brasileiro, daí o nome Musique.
Em uma segunda etapa, o projeto Musique se inverterá, ao invés de melodias serem enviadas por anônimos para completarem as letras de compositores famosos, o espaço dará oportunidade para que letristas desconhecidos enviem versos que vão se combinar a uma melodia composta por artistas conhecidos.Abre-se, portanto, espaço para que o público participe tanto com a letra quanto com a melodia.
São iniciativas como essa que fazem com que a cultura se popularize, torne-se mais próxima do público e aconteça no mesmo movimento em que oferece espaço e oportunidade para que os talentos que andam por aí aos montes, sem serem notados, sejam por fim vistos, ouvidos, sentidos, contribuindo para tecer essa teia fascinante e transformadora da cultura brasileira.
Esse é o papel da mídia no nosso país, mediar os conflitos sociais, refletir as entrelinhas da sociedade e dar espaço para aquilo que nos transforma, faz de nós seres potentes, conscientes dos próprios desejos, elevados em nossa sensibilidade: a cultura, o movimento estético e belo da arte.
Em matéria publicada no site do jornal, o leitor encontra todas as informações necessárias para poder participar do projeto do espaço Musique. A letra publicada nesta primeira edição é uma composição inédita de Arnaldo Antunes, simplesmente impecável. Os versos que você vê a seguir aguardam uma melodia, quem se habilita?
Planta colhe, de Arnaldo Antunes
o arroz que se planta se colhe o amor que se planta se colhe o que vai volta um dia mais forte o que fica escondido explode
o feijão que se planta se colhe solidão que se planta se colhe se fugir a estrada te escolhe e o destino também não dá mole
ao redor pra onde quer que se olhe a saída é uma porta que encolhe aflição que se planta se colhe algodão que se planta se colhe
se cair nessa chuva se molhe sempre há sede pra dar mais um gole toda culpa se planta e se colhe na garupa do tempo que corre
cada grão que se planta se colhe furacão que se planta se colhe cada um inaugura sua prole pedra dura procura água mole
tudo vem quando o tempo é propício todos têm sua porção precipício o que sabe não busca sentido o que sobe retorna caído
ilusão que se planta se colhe confusão que se planta se colhe num segundo o desejo te engole só não corre esse risco quem morre
Maura Voltarelli é jornalista e doutoranda em Teoria e História Literária, no IEL/Unicamp.
Este blog é um espaço destinado à literatura, arte e cultura em geral.
“Ponto de partida para um poema: as pessoas deitadas na areia, em Copacabana, contemplando-se vagamente e compreendendo-se em silêncio. Ninguém fala. No próximo domingo, já não se verão mais. Fica, porém, o sentimento do instante em comum, sem a defesa da roupa, na postura dos mortos.”
(DRUMMOND DE ANDRADE, Carlos. Apontamentos Literários. In: BRAYNER, Sônia (org.). Carlos Drummond de Andrade: Fortuna Crítica. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978. p. 38)
"pois haveria de ouvir claramente de meus anseios um juízo rígido, era um cascalho, um osso rigoroso, desprovido de qualquer dúvida: "estamos indo sempre para casa".
(Raduan Nassar, Lavoura Arcaica)