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Posts Tagged ‘política’

Antonio Tavares, Noite na Cidade

Na vertiginosa paisagem da cidade de São Paulo, os prédios saíam da terra grandes e iluminados. Dividiam a cena com os fios dos postes, as paredes pichadas, o céu meio esfumaçado, denso, fechado, as ruas lotadas com carros que iam e vinham frenéticos, apertados. Pessoas corriam atravessando a rua, comprando alguma coisa, olhando um endereço, saltando um monte de lixo esparramado ou uma pessoa jogada na calçada.

Meus olhos iam absorvendo aquela imensa paisagem paulistana, quase que fundindo-se a essa imagem quando desviaram-se para uma mulher que parecia ter saído do lugar mais sujo do mundo. Ela destoava daquela paisagem e era ao mesmo tempo reflexo dela a ponto de uma não conseguir viver sem a outra, de uma sair de dentro da outra.

Ela parou para atravessar a rua e pude ver que seu rosto estava todo salpicado por manchas negras, tipo fuligem ou carvão. Ela dava a impressão de ter saído de uma mina de carvão. Parecia de um corpo grande, bastante corpulento, o que fazia com que ela logo fosse notada. Usava um grande casaco cuja cor original era bege, mas que, naquele momento, estava totalmente invadido pelos tons negros de uma sujeira humana e social.

Os cabelos eram duros e arrepiados, pareciam imobilizados pela enorme quantidade de sujeira que saltava de toda sua aparência quase fantasmagórica. Olhos negros, pele negra, alma negra.
Nas mãos, ela carregava um enorme saco não sei se de lixo ou do que mais ele poderia ser. Imaginei quantas mil coisas poderiam ter ali dentro, quantos mil sonhos, quantas mil dores, quantas mil frustrações, quantas mil solidões…

Ao contrário do que muitos poderiam dizer, não estava ali simplesmente um retrato da exclusão a vagar pelas ruas sonâmbulas de São Paulo, estava ali um retrato de uma alma, escura e manchada pela sujeira das ruas, o retrato de uma mulher devorada, engolida e comida por uma grande cidade. Havia ali um sentido abandonado e esquecido do público, uma lacuna de brasilidade, mas não parecia existir ali qualquer sombra de anormalidade ou exclusão.

A mulher estava muito bem incluída, chegava a combinar com a paisagem, sustentava a força dos prédios, a fartura de carros, a pressa dos passos. A sua sujeira refletia a sujeira do mundo, a sua alma perdida pertencia ao estado, a sua miséria denunciava o fim do público, a sua sujeira, o capitalismo do privado.

A mulher a andar pelas ruas de São Paulo era nada mais nada menos do que o reflexo do buraco hoje encravado no conceito de público e ela me fez pensar que, seja qual for o próximo presidente deste país, cujo mapa revela uma forma de harpa, o seu grande desafio será construir e dar sentido a uma real esfera pública que está além daquilo que é estatal ou privado, e sim próxima daquilo que é humano, daquilo que nasce da mais remota ilha de luta, coerência e verdade.

As discussões de mídia, comunicação, política, economia ou cultura devem buscar o público, devem ter um verdadeiro projeto que amplie os horizontes, que saia do simples e reducionista maniqueismo do novo e do velho, do falso e do verdadeiro, do injusto e do correto. É preciso pensar para além das oposições e reencontrar um sentido do público há muito perdido pela mídia tradicional, pelos governos, pelos homens, apenas não perdido pela arte.

Retomando um dos velhos ideais da geração modernista de 22, talvez seja este mais do que um momento no qual se luta pela continuidade de uma mudança, talvez seja este o momento no qual a política deve novamente empreender uma tentativa de aproximar-se da arte, pois só no terreno da arte se atinge a real dimensão do público, reduto no qual suspira, doce e móvel, o humano, a mulher de manchas negras e coração na mão que há muito já ficara para trás enquanto o carro ia cortando a imensidão de luzes e tons.

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As leis não bastam.
Os lírios não nascem da lei.
Drummond
Caro navegante, as questões políticas nem sempre aparecem cá por este blog, mas elas são importantes, elas sempre foram importantes. Apenas me abstenho de discuti-las em demasia porque sou mais afeita à arte, literatura, poesia, letras e ilusões variadas. Mas, quando o evento é importante merece ser amplamente e exaustivamente discutido por todos aqueles que veem nele um marco histórico e uma possibilidade de que as coisas enfim, algum dia, possam ser diferentes. Falo aqui do episódio ocorrido no Supremo Tribunal Federal no dia de ontem, 22 de abril de 2009.
Ele foi marcado por uma discussão mais do que urgente e totalmente necessária entre o ministro Joaquim Barbosa e o presidente do Supremo, ministro Gilmar Mendes. Em meio aos tradicionais e irônicos “vossa excelência” Joaquim Barbosa disse a Gilmar Mendes muito daquilo que ele merecia ouvir há tempos. Pois, há tempos ele vem de fato, como disse Joaquim Barbosa, destruindo a credibilidade da justiça brasileira. O ministro Gilmar Mendes se comportou das maneiras mais antiéticas e cínicas nos episódios da história recente. Várias vezes, esqueceu-se de sua condição de ministro e simplesmente transformou-se em um censor ao interferir diretamente na programação da TV Câmara por exemplo, ferindo a liberdade de expressão e a própria já tão machucada “democracia brasileira”.
O ministro realmente confunde os brasileiros com seus capangas do Mato Grosso, tal como lembrou oportunamente o ministro Joaquim Barbosa, já que trata a nação de forma autoritária e coronelista, nos moldes do mandonismo da república velha. Gilmar Mendes é um retrato empoeirado da nossa tão conhecida modernização conservadora. Já Joaquim Barbosa é um retrato lúcido daquilo que o Brasil tem de melhor. Ele, simplesmente, decidiu falar. Falar de coisas que todos veem, mas que fingem não ver por motivos esses ou aqueles, coisas que envergonham a nação e nos fazem andar pra trás, nesta terra que parece gostar de andar sozinha, tal como uma terra sonâmbula, obstinadamente para trás. Joaquim Barbosa disse palavras verdadeiras, que por serem reais, carregam o efeito cortante e um tanto assustador próprio da coragem dos que não se omitem, em um país que fabrica omissões desavergonhadas em série. Precisamos de um Supremo cheio de “Joaquins Barbosas”, precisamos de coragem, de verdade, de uma verdadeira justiça que, definitivamente, não se faz com um Gilmar Mendes no seu comando.

Joaquim Barbosa, ministro do STF

Quando Joaquim Barbosa começou a falar firme e com toda a dignidade de quem sente o peso de sua responsabilidade, custei a acreditar no que via e ouvia. Como tal coragem no Brasil, o país do homem cordial de Sérgio Buarque de Holanda? Como uma voz que se agiganta em direção ao futuro, apontando para as diáfanas águas da honestidade e do caráter, pode ainda ser ouvida, quando todo resto é sombra e tempestade? Joaquim Barbosa me fez ter vontade de escrever sobre política, não porque antes dele eu não acreditasse nela, muito pelo contrário, a política sempre acreditou em mim e eu sempre me busquei nela, mas confesso que para mim, ela sempre foi o mesmo festival de mesmices, disfarces, cinismos e máscaras enfeitadas com muita purpurina, recheadas pelo vazio das coisas que não se fazem coerentes com a sua própria identidade e escassa de discernimento e lucidez. No entanto, nem tudo está perdido! Termino com meus sinceros parabéns ao Ministro Joaquim Barbosa, este sim um Ministro digno da mais alta corte de justiça do nosso país, este sim digno de ser lembrado e citado como aquele que falou o certo na hora certa, não deixando o dito pelo não dito.
Para os que estão dizendo que Joaquim Barbosa não respeitou os limites de sua posição e situação, suponho que quem desconhece limites há muito tempo seja o presidente do Supremo, Gilmar Mendes. Joaquim Barbosa disse a Gilmar Mendes que ele deveria respeitá-lo, Gilmar Mendes, sinicamente, também pediu respeito. Engraçado como um ministro do Supremo ainda não consegue entender algo tão simples e elementar: é preciso respeitar para ser respeitado. Que tipo de respeito será que ele quer? Joaquim Barbosa personificou em sua fala os anseios sufocados de todos os brasileiros que, estes sim, precisam respirar respeito, afastar os fantasmas da inversão de valores, aumentar em suas lembranças episódios dignos de serem lembrados, como esse, apagando tantas e tanto que existe em benefício de poucos e prejuízo de muitos, apagando o riso cínico de Gilmar Mendes e lembrando dos olhos corajosos e humildes de um ministro tão inteligente quanto humano. Uma daquelas raridades. Fruto da impossibilidade do retrato, já que vai além dele.
cansei da frase polida
por anjos da cara pálida
palmeiras batendo palmas
ao passarem paradas
agora eu quero a pedrada
chuva de pedras palavras
distribuindo pauladas
Paulo Leminski

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A Aula Magna da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas) – que abre oficialmente as atividades do ano letivo de 2009 – contou com a presença do senador Pedro Simon (PMDB-RS), um dos poucos que defendem a já tão desvalorizada e esquecida bandeira da ética no senado federal em Brasília. O senador – que se formou em Direito pela PUC-RS, foi professor na Universidade Caxias do Sul e especializou-se em Economia Política e Direito Penal na Universidade de Paris, Sorbonne, além de ter feito estudos sobre Direito na Faculdade de Direito em Roma, Itália – mostrou, ao longo de toda sua fala, um tom de preocupação e seriedade em relação ao presente e ao futuro, tom este que tanto faz falta a grande parte de nossos representantes políticos.
Ao longo da sua exposição na Aula Magna, Pedro Simon falou sobre muita coisa, deu lições, emocionou, fez-se merecedor das palmas da plateia em vários momentos; e mostrou toda sua lucidez e discernimento ético em relação ao que deve e pode ser feito. Cito aqui alguns pontos de sua fala – de muita valia a todos aqueles que ainda acreditam no Brasil – não só para que conheçam um pouco do que disse o senador, mas também e, principalmente, para que não se sintam tão enganados, desmotivados, anestesiados e descrentes com o festival de horrores a que somos apresentados todos os dias. Ainda resta alguma lucidez em toda essa falta de coerência!
Pedro Simon
Família

“A família de ontem não é mais a mesma de hoje, as coisas, as relações, mudaram muito. A forma como encaramos a vida atualmente também mudou. Hoje ela é um tanto desorientada e excessivamente televisiva. E há qualquer coisa de doloroso nisso quando vemos que a família já não é mais aquela família e a escola já não é mais aquela escola.”

Escola

“Na escola atual instruir já é difícil, educar então…”

“A formação básica tem uma grande importância diante da ideia de que o cérebro se forma até os cinco anos, portanto, é nessa fase que as coisas que acontecem ou não, realmente importam no que diz respeito às consequências que virão mais a frente.”

Televisão

“Um mundo onde se janta assistindo TV ou Jornal Nacional, não sei o que é pior. O papel da televisão atualmente é o de entrar na formação da sociedade, e como tudo que é ruim se espalha, estamos diante do fenômeno da exportação de novelas brasileiras para o mundo todo. Diante disso, faço uma pergunta: qual é a formação da sociedade brasileira atualmente?”

“Eu tive uma séria discussão com o Lula em relação à criação da TV Brasil por decreto. Além do autoritarismo, não houve nenhum preparo ou planejamento. O resultado está aí na audiência da TV Brasil: zero. É o Brasil das inconsequências.”

Impunidade

“O grande problema do Brasil é a impunidade. Mas o Brasil é diferente dos outros lugares porque aqui ninguém é preso, a não ser pobre e ladrão de galinha, que não sabe nem nunca ouviu falar na justiça, só conhece a polícia. O Congresso reclama, faz um alvoroço quando a prisão de um rico – de pijama na porta de sua casa – aparece na TV, mas isso acontece todo dia com o pobre, é o que acontece todo dia.”

“Precisa-se acabar com a impunidade, vamos nos respeitar.”

“Certa vez, ocorria uma discussão no senado envolvendo um senador que, entre outras falcatruas, também estava envolvido em um roubo de galinhas, algo assim. Tive que ir à tribuna dizer que, neste caso, ele realmente precisava tomar cuidado porque roubo de galinha no Brasil é perigoso.”

“Para acabar com a impunidade é preciso, em primeiro lugar, acabar com o foro privilegiado, afinal, quantos foram condenados no Supremo? Nenhum. Depois é preciso tomar providências como diminuir o número de partidos. O Brasil não pode ter 20 partidos, isso é uma distorção. A fidelidade partidária também deve ser cobrada e não adianta dizer que vai sair do partido porque nele existe um bando de vigarista, é preciso seriedade para cobrar. A saída é marchar para um sistema democrático onde haja obrigatoriedade no que se tem que fazer. Imagine se o que aconteceu nos EUA com os assessores de Obama – que simplesmente foram destituídos dos cargos diante de acusações de sonegação fiscal – aconteceria no Brasil. Aqui isso soa como piada.”

“Eu estou apresentando um projeto de lei ao senado federal segundo o qual ficha-suja não pode ser candidato, e que aquele que tiver um processo deve ter esse processo julgado em primeiro lugar, senão antes das eleições até no máximo antes da posse. Enquanto não houver julgamento em caráter definitivo continua-se atuando na vida pública e recorre-se aqui, ali, às milhares de instâncias que fabricam a impunidade.”

Mais do mesmo

“No Brasil não conseguimos sair dos ciclos – dos usineiros, cafeicultores – os ciclos daqueles que mandam e fazem tudo por conta própria, sem que ninguém mais fale, participe ou manifeste a sua opinião. E nós continuamos assim, políticos cada vez mais isolados do restante da sociedade.”

Lula e o PT

“Com a primeira vitória do Lula quem ganhou foi o Duda Mendonça com a sua fabricação do Lulinha paz e amor e isso não pode, não se vende um candidato como se vende uma máquina, uma pasta de dente.”

“O PT era uma ótima oposição, ele foi ensinado muito bem no que diz respeito a ser oposição, mas também devia ter sido ensinado a estar no poder, do outro lado. Pegar a caneta é muito difícil.”

“Nada mais igual que o PSDB de FHC do que o PT de Lula.”

“O PT foi incoerente com a sua própria história.”

UNE

“A UNE está fazendo o quê? No máximo a meia-entrada e o movimento pela liberdade sexual. Ela caiu na mesmice, assim como muitas outras organizações. Precisa mudar, não só ocupar uma linda sede.”

PMDB

“O PMDB quer ser a noiva: dá pra quem paga mais, ou dá pros dois.”

A Mocidade

“Quando o Brasil achava que a ditadura não iria acabar, a mocidade saiu às ruas e protestou. A emenda Dante de Oliveira não foi aprovada na época, mas depois a ditadura foi acabando. Quando o Collor pediu que a juventude saísse às ruas de verde e amarelo em seu favor, ela saiu de preto e ele foi cassado dias depois. Olhem o poder da mocidade.”

“As CPIs são uma ótima saída, pena que elas não adiantem mais. Elas aparecem como um movimento incrível, importante, que mandava prender, cassava mandatos, mas isso quando o senado ainda tinha capacidade de se indignar, como fez em vários momentos. Hoje, ele perdeu essa capacidade, basta ser partidário. Por isso a saída é a mocidade.”

Realidades e possibilidades

“Estamos acostumados à vulgaridade, à rotina do escândalo, nada nos choca mais. As revistas divulgam um fato atrás do outro, mas só ficam nisso, depois de um tempo de tudo se esquece, não há continuidade.”

“Eu acredito na movimentação, conscientização, cobrança, divulgação do fato, no povo brasileiro ocupando o seu espaço. Isso pode e deve ser feito.”

“Levantar, debater, discutir, cobrar, isso é importante. Trazer a oposição – o outro lado – o que é um grande trabalho. São vocês que podem mudar, eles morrem de medo de vocês. Parlamentar morre de medo de opinião pública classificada.”

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