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Posts Tagged ‘filosofia’

Então, o homem diz: “eu me lembro”, e inveja o animal que imediatamente esquece e vê todo instante realmente morrer imerso em n´voa e noite e extinguir-se para sempre. Assim, o animal vive a-historicamente: ele passa pelo presente como um número, sem que reste uma estranha quebra. Ele não sabe se disfarçar, não esconde nada e aparece a todo momento plenamente como o que é, ou seja, não pode ser outra coisa senão sincero. O homem, ao contrário, contrapõe-se ao grande e cada vez maior peso do que passou […] No entanto, em meio à menor como em meio à maior felicidade é sempre uma coisa que torna a felicidade o que ela é: o poder esquecer ou, dito de maneira mais erudita, a faculdade de sentir a-historicamente durante a sua duração. Quem não pode se instalar no limiar do instante, esquecendo todo passado, quem não consegue firmar pé em um ponto como uma divindade da vitória sem vertigem e sem medo, nunca saberá o que é felicidade, e ainda pior: nunca fará algo que torne os outros felizes. (p. 8 e 9)

[…] nós somos sem cultura, mais ainda, estamos estragados para a vida, para o ver e o ouvir corretos e simples, para a apreensão feliz do que há de mais próximo e natural, e não temos até agora nem mesmo o fundamento de uma cultura, porque não estamos convencidos de termos uma vida verdadeira em nós. […] Presenteai-me primeiro com a vida e então, a partir disso, terei prazer em criar-vos uma cultura! […] Quem lhes presenteará com esta vida? Nenhum deus e nenhum homem: somente a sua própria juventude. (p. 94)

Friedrich Nietzsche, Segunda consideração intempestiva. Da utilidade e desvantagem da história para a vida. Trad: Marco Antônio Casanova. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2003

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“O espaço oceânico é como uma voz que surge das profundezas e vem vibrar na superfície. “O rugido do abismo”, disse Victor Hugo, “é o esforço que faz o mundo para falar”. […] nós também estamos de acordo com a noite, com seu poder de irrealizar o mundo, de aprofundá-lo em volume e silêncio. A noite tem um conteúdo positivo próprio: o mundo noturno dissolve os limites e as distâncias […] é repouso, paz do entardecer, porém também é mistério e devaneio. Sombra e luz, o espaço aéreo se encerra no mágico”.

Eric Dardel, O Homem e a Terra

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Eu tenho à medida que designo e este é o esplendor de se ter linguagem. Mas eu tenho muito mais à medida que não consigo designar. A realidade é a matéria-prima, a linguagem é o modo como vou buscar – e como não acho. Mas é do buscar e não achar que nasce o que eu não conhecia, e que instantaneamente reconheço. A linguagem é o meu esforço humano. Por destino tenho de ir buscar e por destino volto com as mãos vazias. Mas – volto com o indizível. O indizível só me poderá ser dado através do fracasso de minha linguagem. Só quando falha a construção é que tenho o que ela não conseguiu.

A paixão segundo G.H, Clarice Lispector

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Moça com brinco de pérola, Johannes Vermeer

Conto

Dias ralos e rasteiros. A menina solta bolhas no quintal cheio de luz. São tantas que ela desespera-se na ânsia de todas tocar. Quer atingir cada uma delas, exercer ali o seu poder de interferir no mundo, de perfurar aquela delicada estrutura. Elas dançam em torno dela e ela vai existindo dentro das bolhas. Pintadas pela luz são elas roxas, verdes, amarelas. Desenhadas pelo vácuo do tempo, são elas grandes, médias ou pequenas. Olhá-las é uma festa, uma permanência no presente, um deleite cravejado das mais doces emoções. Mas ela está por demais concentrada em si mesma para poder voltar.
Corre para dentro do quarto. Escuro. As paredes cansadas daquele mesmo ar, ela pensa na solidez que trazem, na firmeza em existir como aquele lugar. Tudo tão calmo, reto, pálido, como ela haveria de ser dali pra frente. Nada de fantasias, arroubos, sonhos, agora era tempo de equilíbrio, interna realização. E ela estava realizada. Sim, estava. Em cima da cama esparramara as últimas joias. Uma opulência! Chegava a ser opressivo de tão belo. Brilhantes, rubis, esmeraldas, colares de ouro, prata, anéis, brincos, pérolas…
As pérolas. Inteiras, circulares, fechadas em torno de si. Por elas a luz não poderia passar como passava pelo interior das bolhas da menina que festejava a vida do lado de fora. Ela estava condenada aos interiores. Deveria cuidar do interior de si mesma, polir-se tal como uma pérola, tornar-se delicada, nobre e sublime como aquela joia, aquele simples quase pedaço de pedra.
Pendurou apenas um dos brincos no fino pescoço e mirou-se enfeitiçada. Tinha consciência de como era bela. O rosto muito bem harmonizado, todos os traços, todas as formas, o tamanho. O tom da pele nem claro, nem escuro. O cabelo castanho com alguns fios dourados do tempo em que andava sob o sol. Os olhos escuros e pequenos, emoldurados por grossas pestanas que lhe davam um aspecto de uma bravura serena, de uma ansiedade doce. A boca grossa e vermelha escondendo os dentes brancos, muito brancos e perfeitos em uma linha contínua e premeditada. Era um escândalo, tão bonita quanto aquele brinco de pérola.
Quando conhecera o marido tinha uma violência burra. Uma vontade de ser que ultrapassava os limites do corpo e do tempo. Era uma alma aventureira, cheia de sonhos, mas tinha um coração ansiosamente delicado que batia em ritmo acelerado, acompanhando o irromper frenético dos insanos e intermináveis pensamentos que habitavam sua mente. Era um fluxo contínuo, era um existir demasiado intenso, ninguém ao seu lado deixava de ser atingido. Saía-se danificado e nada se podia fazer. Tudo nela atormentava, desde a beleza até a profundidade de sua alma.
O espelho refletindo-a, as paredes protegendo-a de si mesma. O médico sempre lhe dissera. Mantenha o controle, não pense demais, mas pense o necessário para se controlar. Tranquilize-se. E desde então ela se tranquilizara. Resumira sua vida aos afazeres domésticos e a cuidar do marido e naquele dia, como em qualquer outro, ela o esperava. Só não imaginara aquelas bolhas coloridas a voar do lado de fora.
O lado de fora. Não, ela não poderia chegar até ele. O espelho já lhe mostrava em toda sua serena calma arduamente conquistada. Não perdera a beleza, ela ainda estava lá, e adornada pelo sublime brinco de pérola que ela quase que obscenamente dependurara de apenas uma das orelhas. A pérola enfim começou quase a sussurrar, ela ouvia um murmúrio, um barulho quase anestesiado. As forças passaram a se confundir, a estrutura sólida da pérola aos poucos ia contorcendo-se toda, amolecendo e alternando-se conforme os picos de luz. Mistura de terror e fascinação, atração e repulsa. A pérola aos poucos tocava levemente a superfície da bolha. Ávidas elas se enroscavam. A solidez da pérola desmanchava-se toda ao aproximar-se do frágil da bolha. Suas cores se fundiam, as espessuras se desintegravam, os círculos encaixaram-se perfeitamente, o grito era agora insuportável. Até que o barulho silencioso daquele espasmo pareceu atravessar a bolha desmanchando-a em pleno ar e a pérola escapou do furo da orelha e escorregou, sedutora, suada, em direção ao chão.
A mulher tombou. Recostou-se na superfície árida em busca da pérola, seus olhos perscrutaram a escuridão. Quem a visse divisaria um perfeito gato com olhos faiscantes e completos, portadores de uma completude mística e selvagem. Seus olhos roçavam o chão frio e, no entanto, queimavam de tão quentes. Tinham dentro de sua órbita circular e ardente todo o mistério do mundo. Não havia mais deslocamento no tempo ou no espaço. Tais como os olhos do gato, ali se poderiam ver as horas do mundo, as horas da vida, da morte, os desejos da carne, a vontade de pertencer. Eles ainda buscavam a pérola e ofereciam em troca a nostalgia molhada das lágrimas.
Um ponto brilhou no arfar da escuridão. Os dedos o tomaram. Era ela, inteira, perfeitamente polida, bela, sem qualquer mancha. De súbito, voltou a penetrar o furo da orelha. Ela não poderia mais perder nada. Mesmo assim, algo dela já não conseguia mais se levantar. Faltava-lhe força. Olhando para o chão ela podia ver, quase sentir, toda a forma do seu sofrimento. Tudo voltava. E os outros, o que os outros pensariam? O que ela tinha feito dela mesma? Tudo voltava.
Em esperas arrastadas e sonolentas eu às vezes decidia pensar em mim mesma. Em um movimento ingênuo e um pouco egoísta eu gostaria, não sei se desejava, despojar-me de toda uma certa beleza indefinida que sobrava a mim e estranhava-me diante do outro. Talvez por sentir no ar certo mal estar diante do belo, eu acabara por vestir-me de um mal estar diante de mim mesma. Gostaria de ser feia. Feia e selvagem. Arredia, cabelos desencontrados, olhares que eram simplesmente olhares. Estátuas frias e geladas. Gostaria de ser comum. Ansiara vivamente por ela. Ausência de desejo. Mas eu queria sim o diferente, o místico, o selvagem, a floresta que simplesmente não se avista do mar da cidade. Mas eu também queria o igual e não queria ceder às exigências da minha vaidade. Porque algo em mim ainda gostava…Mesmo querendo ser curta eu era longa, um infinito fio de pérolas profanas desamarradas.
Como eu queria não ter nada na cabeça. Ser como uma bolha de sabão. Inesperada e rápida. Normal e líquida. Ai como desejo aquela liquidez da bolha e como inesperadamente adquiri a solidez da pérola! As bolhas são mais ingênuas, as bolhas só esperam por algum sopro de vento e, depois, deixam-se levar por ele. As pérolas exigem muito mais. E, no entanto, eu as escolhi. As pérolas permanecem as mesmas com o passar do tempo, as bolhas não. Elas mudam, elas nascem e pouco tempo duram. Não há o tempo do sofrimento para as bolhas, sequer o do tédio porque as bolhas são livres e completas demais para isso. E o mais incrível, as bolhas são visíveis em sua inteireza, por dentro e por fora. As pérolas ocultam o interior empoeirado e fazem ver apenas a superfície pintada por um brilho opaco.
Meu olhar atravessou o chão frio, quase acompanhando a náusea de um movimento de dor, e só então pude ver erguerem-se do solo algumas leves bolhas de sabão. Minha filha as soprava, ela agora estava ali dentro, imersa na escuridão, e deitara o pequeno corpinho ao meu lado, no mesmo chão frio, para ver crescerem, de baixo pra cima, suas bolhas que salpicavam a harmonia daquela escura noite de minha alma.
Olhei-a e era como se olhasse a mim mesma com uma súbita e inesperada emoção e, com alívio, deixei de entender. Sobre mim, eu apenas assistia o belo bailar das bolhas que caíam, de cima para baixo, e estouravam bem rente ao meu corpo. Meus ouvidos agora distinguiam mil risos e mil vozes, notas, compassos, dissonâncias, modulações, versos, letras e canções, mas meu coração pulsava em silêncio esperando, agora leve e inteiro, pelo rompimento da última bolha que molharia, quem sabe, aquele meu seco brinco de pérola.

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Rara beleza e coragem, culta e poeta!

Como me sinto? Como se colocassem dois olhos sobre uma mesa e dissessem a mim , a mim que sou cego : isso é aquilo que vê , essa é a matéria que vê . Toco os dois olhos sobre a mesa , lisos , tépidos ainda , arrancaram há pouco, gelatinosos , mas não vejo o ver . É assim o que sinto tentando materializar na narrativa a convulsão do meu espírito , e desbocado e cruel , manchado de tintas , essas pardas escuras do não saber dizer , tento amputado conhecer o passo , cego conhecer a luz , ausente de braços tento te abraçar.
Hilda Hilst

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Dora Ferreira da Silva em foto de estúdio. São Paulo, 26 março de 1946.

Nestes belos versos, a poeta e tradutora brasileira revela toda alma reflexiva e mística de sua poesia! Um sonho dos mais lindos…

Nascimento do poema

É preciso que venha de longe
do vento mais antigo
ou da morte
é preciso que venha impreciso
inesperado como a rosa
ou como o riso
o poema inecessário.

É preciso que ferido de amor
entre pombos
ou nas mansas colinas
que o ódio afaga
ele venha
sob o látego da insônia
morto e preservado.

E então desperta
para o rito da forma
lúcida
tranqüila:
senhor do duplo reino
coroado
de sóis e luas.

Dora Ferreira da Silva

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On the Threshold of Eternity, No Limiar da Eternidade (Oléo sobre Tela, 80 x 64cm) Vincent Van Gogh, 1890

Páginas da loucura
quem embalaram meu delírio
que venceram meu cansaço
que sonharam minha mente
que espelharam minha imagem

Páginas da loucura
que nascem de dentro
que arranham a alma
que silenciam o tempo
Belas e ricas
Detalhadas e indefinidas
Mudas e sem idade

Páginas da loucura
Mereceis, enfim, o eco da eternidade!

¡Loco! ¡Loco! ¡Loco!
Cuando anochezca en tu porteña soledad,
por la ribera de tu sábana vendré
con un poema y un trombón
a desvelarte el corazón.
(Balada para un loco – Astor Piazzolla)

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Michel Foucault

Na era clássica, inútil procurar distinguir entre as terapêuticas físicas e as mediações psicológicas. Pela simples razão de que a psicologia não existe. Quando se prescreve a absorção dos amargos, por exemplo, não se trata de tratamentos físicos, uma vez que se pretende desoxidar tanto a alma quanto o corpo; quando se prescreve a um melancólico a vida simples dos trabalhadores, quando se lhe representa a comédia de seu delírio, não se tem aí uma intervenção psicológica, pois o movimento dos espíritos nos nervos e a densidade dos humores é que estão em jogo, acima de tudo.

Mas num caso trata-se de uma arte da transformação das qualidades, de um técnica na qual a essência da loucura é considerada como natureza e como doença; no outro, trata-se de uma arte do discurso e da restituição da verdade onde a loucura vale como desatino. Quando for dissociada, nos anos que se seguirão, essa grande experiência do desatino, cuja unidade é característica da era clássica, quando a loucura, confiscada inteiramente numa intuição moral, não for mais que doença, então a distinção que acabamos de estabelecer assumirá um outro sentido: o que era doença procederá do orgânico, e o que pertencia ao desatino, à transcendência de seu discurso, será nivelado no psicológico.

E é exatamente aí que nasce a psicologia. Não como verdade da loucura, mas como indício de que a loucura é agora isolada de sua verdade que era o desatino e de que doravante ela não será mais que um fenômeno à deriva, insignificante, na superfície indefinida da natureza. Enigma sem outra verdade senão aquilo que a pode reduzir.

É por isso que se deve ser justo com Freud. Entre as 5 Psicanálises e o cuidadoso inquérito sobre as Médications psychologiques, há mais do que uma descoberta: há a violência soberana de um retorno. Janet enumerava os elementos de uma divisão, enumerava o inventário, anexava aqui e ali, conquistava talvez. Freud retomava a loucura ao nível de sua linguagem, reconstituía um dos elementos essenciais de uma experiência reduzida ao silêncio pelo positivismo. Ele não acrescentava à lista dos tratamentos psicológicos da loucura uma adição maior; reconstiuía, no pensamento médico, a possibilidade de um diálogo com o desatino.

Não nos surpreendamos se o mais “psicológico” dos medicamentos tenha tão rapidamente reencontrado sua vertente e suas confirmações orgânicas. Na Psicanálise, o que está em jogo não é a Psicologia mas, exatamente, uma experiência do desatino que a Psicologia no mundo moderno teve por sentido ocultar
(FOUCAULT, 2009, p. 337 e 338).

Freud: na essência da psicanálise a experiência clássica do desatino, voz original e verdade muda da loucura

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A filosofia pode nos ajudar a viver uma vida sem consolação e mudar a relação com o próprio tempo

O Dossiê da Revista Cult publicado em abril desse ano sobre Filosofia e Consolação está especialmente interessante. A revista discute basicamente se a filosofia como prática teria ou não a capacidade de consolar o outro e no percurso da reflexão sobre esse tema ficam evidentes algumas separações entre a filosofia clássica e a filosofia contemporânea. Independente de opiniões, o conjunto de artigos é essencial para rever ações da própria vida, para mudar concepções prévias e superficiais, para saber lidar melhor com a efemeridade da existência, para compreender a importância que reside em esgotar o tempo presente e saber reconhecer o sofrimento.

Sobre a capacidade da filosofia em consolar o ser humano, o que se apreende da leitura dos textos é que, originalmente, pela sua própria natureza vinculada à razão, ainda que esta seja, como diz Adorno e Horkheimer, cheia de deformações e insuficiências, a filosofia está muito mais próxima da função de ajudar o ser humano a viver uma vida sem consolação do que consolá-lo propriamente.

A tarefa de consolar, de oferecer respotas absolutas para a morte e para a vida, é muito mais próxima da religião do que da filosofia, aliás, é nesta função que a religião encontra sua razão de existir ao lado do que o filósofo Paul Ricoeur diz sobre ela: “a religião é uma compensação da dureza da vida, ela não preenche somente um papel repressor de interdição e de elaboração da lei, mas, mais profundamente, responde a um desejo de proteção e de consolação, sendo que o nome desse desejo é a nostalgia do pai”. Neste trecho, o filósofo deixa clara a forte influência de Freud haja vista o que este defende no seu livro Totem e Tabu a respeito do parricídio que teria dado início à organização da civilização em seus primórdios.

Além disso, a filosofia não pretende nos afastar do sofrimento, pelo contrário, como diz Adorno em Minima Moralia, “não há mais nem beleza nem consolo (Trost) exceto no olhar que vai até o horror (Grauen), o enfrenta e nele se mantém”. Adorno aqui faz, por sua vez, uma clara alusão à Hegel quando este diz que o espiríto verdadeiro deve enfrentar a morte, o negativo e demorar-se nele.

Todas essas considerações deixam claro que a tarefa da filosofia é muito mais nos ensinar a conviver com o sofrimento, demorando-se nele para depois aceitá-lo e superá-lo. Essa aceitação deve ser entendida não no sentido de resignação diante das coisas e sim no sentido de encontrar uma forma de organizar a existência para saber lidar melhor com situações inevitáveis, diante das quais não há o que fazer. A isso pode-se associar o pensamento de um filósofo clássico, Sêneca, que diz que o importante não é sempre atingir o alvo e sim fazer tudo que for possível e estiver ao nosso alcançe para atingi-lo. Há coisas que fogem ao nosso controle, afinal, como diz o mesmo filósofo, “viver é sentar-se ao leme e fixar a rota de quem flutua à deriva entre escolhos”. Portanto, pode-se até traçar um rumo e encontrar um sentido para a existência, mas esta navega à deriva, à mercê de algo que pode ser o destino ou alguma coisa além dele.

Em suma, não cabe à filosofia a tarefa de consolar, ela não se liga a um fundamento metafísico ou a uma prensença transcendente, filosofia não é religião, no entanto, a filosofia pensa a vida humana, é um reflexo desta em última instância e, exatamente por isso, não pode ser vista como algo absoluto, pois a vida não é absoluta. Viver está muito mais próximo do absurdo de Camus já que, segundo o filósofo francês, não se encontra um sentido último para as coisas o que não é sinônimo de niilismo ou desespero, a falta deste sentido último para as coisas é o que leva Camus a defender justamente a insistência no esplendor da vida em função de sua natureza efêmera e mortal, assim esta deve ser vivida intensamente em cada presente.

Trata-se, portanto, de esgotar o campo do presente e de algo que vai além da simples consolação e resvala em uma postura de reconhecimento do próprio sofrimento, buscando transformar a vida e o tempo.
E quando nada mais funcionar, tem-se o riso de Montaigne. Segundo o filósofo, quando o infortúnio surpreende o ser humano é mais sábio rir do que chorar porque o lamento valoriza o objeto de sua consideração além do que merece, ao passo que as coisas das quais rimos são consideradas no pouco que valem, de todo, nossa história é de fato mais cômica do que trágica e nada melhor do que o riso para emendar a vaidade humana, fazendo-a ciente de toda sua futilidade e inconstância. Que a filosofia nos torne conscientes de nossa própria finitude e nos faça mais fortes por que reconhecidos em nossa própria humanidade precária e vulnerável!

Alguns textos que compõem o dossiê podem ser lidos na página da revista Cult na internet clicando aqui.

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Sob influência dessa idiossincrasia, colocou-se em primeiro plano a “adaptação”, ou seja, uma atividade de segunda ordem, uma reatividade, chegou-se mesmo a definir a vida como uma adaptação interna, cada vez mais apropriada, a circunstâncias externas (Herbert Spencer). Mas com isto se desconhece a essência da vida, a sua vontade de poder; com isto não se percebe a primazia fundamental das forças espontâneas, agressivas, expansivas, criadoras de novas formas, interpretações e direções, forças cuja ação necessariamente precede a “adaptação”; com isto se nega, no próprio organismo, o papel dominante dos mais altos funcionários, aqueles nos quais a vontade de vida aparece ativa e conformadora. Recorde-se o que Huxley criticou em Spencer- o seu “niilismo administrativo”: mas trata-se de bem mais que de mera “administração”…

Nietzsche em Genealogia da Moral

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