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maternidade tarsila amaral

Maternidade, de Tarsila do Amaral – 1938

Neste silêncio estendido
e nas palpitações de uma espera
pela fala que não quero ouvir
de dentro de situações
que me repelem.

Afastam-se e afasto-me
daqui. Volto para as
rotinas intermináveis e
repetidas destes meus dias.

Volto para o lençol
nas manhãs desarrumado
para o insistente voo
dos pássaros e para
aquele café com leite

de todos os gostos
e de nada. Para a água
a enxaguar os pratos
junto com o sabor daquele
tempero ralo e ultrapassado.

Eis que se estende
generoso o silêncio
e volto a cobrir-me do
invencível pó a cerrar
meus olhos, a suspender
minha voz e prolongar

essa estação entre flores
e frutos. Volto para
a estante da sala
para a bagunça da casa
para aquele vão
onde não me encontro e
para onde nem sei se vou.

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Este poema faz parte do livro “Nymphé e outros poemas”, à venda no site da Editora Medita

Uma sacerdotisa a sibilar
seu canto em um corpo de volúpia.
Assim como as inspiradas por Apolo
eleva-se no equilíbrio
e dança
como quem pisa em pétalas
leve e serena.

Toda vestida de branco
imersa e refeita em luz
aérea.
Mas eis que surge um incêndio
no seio das mansas árvores
agora violentas.
Porta a tua flor rubra
pinta tua boca e tuas faces
aguça teu ávido olhar
e dança
derramando sobre si o vinho
assim como as extasiadas por Dionisio.

Arrebente os princípios
habite o instante do raro frêmito
aquele encontro desejado
em que somos um e o outro
no mesmo tempo.

É ela que sabe
fascinar porque experimenta
o desafio da coexistência
e se faz harmoniosa e suplicante
contida e derramada

por um instante
dança para a vida
por outro
corre para a morte
e começa
o nascimento da sua tragédia.

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Hermafrodita adormecida, de um romano anônimo, restaurada por Bernini

Hermafrodita adormecida, de um romano anônimo, restaurada por Bernini

 

Aviste quem puder aquela
veste tombada. Próxima à calçada,
tangenciando a sarjeta aquele
pedaço de trapo abandonado.

Há quem diga ser aquilo
um vestígio deixado
por tantos outros deuses já passados
por aqui ouvidos ou vilipendiados.

Veja se acredita que aquela veste
é como sobrevive a menina
de olhos, cabelos e rosto
possuídos os homens que fascina.

Sutis são os ardis do passado
a insistir em ser presente.
Este ser persistente que volta,
essa memória sempre intermitente.

E de repente é possível, surpreende
que no meio de tanto lixo você
insista, você rebente
imagem sobrevivente.

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picasso

“Mulher jovem”, Pablo Picasso

Olho solta
a boca com batom.
Naquele espelho
gasto de horas
e demoras
sinto o chão.
Não há quem vista meu corpo
até que eu mesma me vista
aí então
os cabelos daqueles anos
olham os olhos pelo espelho
também eu sinto raiva e
protesto. Também eu
no meu compasso modesto
também eu digo sim
e arrebento meu coração.

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ESPERA

“O Guarda-chuva vermelho”, de Oswaldo Goeldi

“O Guarda-chuva vermelho”, de Oswaldo Goeldi

Houve um tempo
onde os homens
esperavam
pela
chuva.

Como o homem
que espera
reencontrar
sua mulher
depois de
muitos
anos.

Como a solidão
que busca
seu fim
em algum
outro.

E eles ficavam
atentos
a qualquer sinal
do tempo.

A qualquer
coreografia
do vento
que pudesse
molhar
todas as suas
saudades.

Mas ela os fazia
esperar.

Como aquela
mulher
que pressente
a tempestade
no ar.

Ela os fazia
dormir
sonhar
imaginar
como seriam
suas formas
quando ela enfim
caprichosa
se decidisse
a rebentar.

Ela os fazia
esperar
para que
eternamente
fosse
lembrada.

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Casa Velha

Girl with a Fig Leaf 1947 by Lucian Freud 1922-2011

Lucian Freud, Garota com folha de figo (1947)

Aquela fileira de flores
que talvez tenha me feito sombra.
Quanto ainda lembro de sua beleza
das flores azuis na entrada
o quintal vasto e perigoso
com buracos que pareciam
ir ao outro mundo.

A larga varanda vermelha
e a janela grande da cozinha
em cuja mesa eu um dia
me sentei cansada.

O cansaço novo
daqueles dias.
Que se ia no pedaço
de areia quente
onde surgiam meus mundos.
Que se perdia no longo tapete
onde eu inventava uma
nova casa dentro da casa.

O chão ainda novo, reformado
que eu pisei por poucos anos
hoje por novos pés pisado.
Oh que saudade não tenho
dessa sobrevivente casa paterna
a pulsar nos retratos guardados.

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Título da Obra: Estudo: Mãos, 1948 Data de Aquisição: 1973 Técnicas e Dimensões: nanquim e aguada sobre papel, 31 X 24,8 Procedência: Doação, Família Tarsila do Amaral

Elas têm fugido de mim
na correria quente dos dias
ardidas e fartas
saturadas de tantas manias.

Têm ido para onde não sei buscar
no fundo oco das horas
ociosas e incompletas
ausentes das minhas claras vigílias.

Que eles assim também se fossem
é o desejo que grita na alma
mudos e covardes
sem nenhuma coragem de voltar.

Mas como tudo que resiste
no chão feito de pedras
agudos e grandes
insistem no seu vil lugar.

Vivos quando parecem mortos
ainda que não queira falá-los
eles escorregam por entre esses dedos
de calor inchados.

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Nymphé

Botticelli-primavera

Botticelli, Primavera ou Alegoria da Primavera

Essa brisa imaginária nela a vibrar
a destacar do restante suas vestes
seus olhares de um fascinar
jamais esquecido
ou mesmo vencido.

Desejosa de turvar
naquele efêmero instante
em que passa deixando
um vento seco para trás.

Eis que surge de um tempo outro
distante e próximo
a buscar aquele que a receba
que lhe faça viver por inteira.

Deste encontro maldição
ou glória. Os braços que
enlaçam para beijar
são os mesmos que fazem afogar.

Vens, com tuas águas mentais
trazendo a possessão
pois há séculos nos fita
oscilante, cintilante, fluida
és a que sobrevive
demônio disfarçado de menina.

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Miró, Constelação: a estrela da manhã

Miró, Constelação: a estrela da manhã

Sobre aquele chão amassado de frutas e folhas, meus pés brincavam, percorrendo todos os caminhos. As árvores largas, de altura generosa e folhas fartas deixavam a luz escorrer por entre seus espaços, entre vastos e estreitos. Os galhos desenhavam formas ideais para construir uma casa com todos aqueles restos de madeira velha. Éramos os seus construtores. Habitávamos lá no alto. De toda conhecida liberdade, provávamos um gosto à vontade, sem saber de nosso futuro, éramos tão presentes e nem sabíamos. Alguém corria para o pequeno portão cinza ao final do muro. Alguém ouvia os latidos vindos do outro lado. Alguém corria e os outros seguiam atrás. O quintal se lhe abria como uma caixa de surpresa, qualquer caixa de infância. Multiplicavam-se os esconderijos e os mitos. Não é tudo que recordo de tantos dias sob aquelas árvores cacheadas, pisando aquele chão fruteado. Havia também o velho galinheiro, outro projeto de casa, com cômodos e até pequenas toalhas. Certo dia apenas me esgueirei sozinha, por entre ramos e coisas silenciosas. Não sabia nada sobre os meus fantasmas e fazia dali minha casa. As árvores eram meu cobertor de fragmentos amontoados, as frutas que não comi minhas divindades mascaradas, os nomes e coisas que inventei, eram meus deuses e meus lugares. Naquele lugar onde derramei minha infância, a infância da qual às vezes não tenho saudade, mas que me chama de dentro da sua repetida memória. Lugar de acasos. Naquele cheiro onde reconhecia meu corpo, naquelas sombras onde eu podia ver, naqueles buracos onde eu tinha medo de entrar, naquele seco mar que guardava meu corpo, meus intermitentes calores, era naquele chão, que hoje nem existe mais, onde eu deitava as minhas primeiras ardências. Talvez lá outrora estivemos eu e você, mas já não me lembro. Certamente estivemos, já me lembro.

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Estudo: corpo de mulher (Incompleto), Tarsila do Amaral

Estudo: corpo de mulher (Incompleto), Tarsila do Amaral

Olhamos os nossos rostos
escorregados e tortos.
E usamos nossas palavras
a nós sussurradas e mortas.
Divisamos nosso tempo envelhecido
nossas falas mansas e amorfas.
As imagens nos surgem embaçadas
enquanto construímos nossas preces de nada.
E penduramos no pulso um relógio gasto
nas paredes quadros sem data
esculpindo nossas visões provisórias
nossas loucuras eufóricas.
Olhamos o nosso tempo
e tudo o que somos e o que nos vai por dentro.
E às vezes nem há dentro
apenas um espasmo absoluto
um sopro às vezes rasteiro ou profundo.
Nesses nossos ventos de absurdos
nessa nossa vida curta
custa apreender os mistérios
de nossas horas nuas.

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